quarta-feira, 22 de maio de 2013

Capítulo 4

O som era ensurdecedor, tiros, gritos, dores e pânico. Pânico que se ouvia, sentia e saboreava. As manchas negras e vermelhas, o comandante mexia os lábios, mas Daniel não ouvia nada, só sentia o pânico a engoli-lo e o corpo quente como fogo. Daniel acorda repentinamente e a suar - Mais um sonho, foi só um sonho.. - Repetiu para si próprio.
O dia começava sempre cedo para Daniel, em parte porque era assim a vida de um pescador, e em parte porque nunca conseguia dormir. Os sonhos estavam melhores agora, mais curtos e menos frequentes. Mas o dia não esperava e o mar também não, por essa razão Daniel levantou-se e preparou-se para sair.

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Daniel era o mais jovem da sua companhia. Eram como uma família. E quando partiram juntos, pensaram que iam salvar o mundo. O que nunca ninguém lhes disse foi que as missões de paz são um tédio. O tempo arrasta-se infinitamente dentro de cada minuto e o pó e o calor do deserto tornam o corpo mole e peganhento. Nunca se passava nada, até àquela tarde, aquele transporte, aquela ravina.

Daniel vivia com Marina desde que se alistara no exército. Eram um amor jovem, mas firme. Conheceram-se na escola secundária onde a Marina disse muitos nãos até Daniel ouvir o sim que sempre quis. Gostava dela desde os 10 anos, era como se não houvesse um amor maior. No dia que soube que ia para o deserto Daniel chegou a casa a disfarçar o entusiasmo e a adrenalina que já lhe corria nas veias com a antecipação da tão ansiada missão.
- Amor, fui destacado para uma missão. No deserto. Partimos daqui a 3 semanas.
Silêncio. Um peso invisível e poderoso alastrou-se pela cozinha e Marina afastou-se da bancada já com os olhos cheios de lágrimas.
- Quando tempo vais ficar por lá, Daniel? - Perguntou Marina, articulando as palavras entre soluços mudos.
- Em princípio serão 6 meses. Mais vai passar depressa amor, vais ver, num instante estou de volta. - assegurou Daniel, sem colocar certezas nas suas próprias palavras. - Pensa que com o dinheiro extra que vou ganhar poderemos começar a pensar em bebés.
- Bebés? Estás a falar a sério? Mas nunca tínhamos falado nisso, a sério, quero eu dizer, não estou a perceber Dani. - Um esboço de sorriso nasceu nos lábios de Marina e Daniel soube que o seu desvio da conversa da guerra e do deserto tinha funcionado. Não se sentia orgulhoso por recorrer a tais artimanhas, mas a dor de Marina pesava tanto dentro dele próprio que se tornava mais difícil de suportar do que a sua própria dor.

Agora quando recordava Marina já não doía tanto. Deixá-la acabou por ser a melhor decisão que poderia ter tomado. Apesar da dor. Apesar da mágoa. Quando voltou do deserto Daniel não era o mesmo, o amor não era o mesmo, a pele não era a mesma, a dor era maior. Não conseguia suportar o cheiro de Marina, tão doce e intenso, e a sua pele, apesar de a desejar loucamente, queimava e fazia doer ao tocar na sua. Daniel estava diferente, o mundo estava diferente. O maior amor tornou-se na maior dor pela culpa e pelo medo. Pelas lembranças. Daniel não merecia ser feliz e Marina merecia o melhor. Desejava-a mais do que qualquer outra coisa, mas a intensidade de tê-la estava a destruí-lo. Foi a melhor decisão possível, para ela. Era a mentira que contava a si próprio todos os dias, sem estar verdadeiramente a mentir.

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Marina era o seu último pensamento antes de dormir e o primeiro ao acordar. Naquele dia em especial, ainda não tinha pensado nela, só na vontade de ver o mar. Só pensou nela quando viu a silhueta de uma mulher ao longe na sua praia, antes do dia nascer.

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