quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Capítulo 3.


Elisa estava à espera há quase 30 minutos. “Mas porque tanta demora” – Pensava Elisa – “E quem será Eduarda Neves?”. Neves era um dos seus apelidos, mas Elisa desconhecia alguém que se chamasse Eduarda e que pertencesse à sua família.
Na verdade, Elisa não tinha bem a certeza. A família materna sempre tinha sido um assunto delicado. A mãe de Elisa sempre fora uma mulher frágil, consumida por uma tristeza permanente, dilacerada por um segredo. Elisa sempre soube que a mãe lhe escondia alguma coisa, tentou várias vezes, em vão, descobrir o quê. Mas havia algo que sempre a perturbara, Elisa nunca ouvira falar da sua avó. Quando era criança tinha perguntado algumas vezes à mãe acerca da sua avó, mas esta nunca lhe dera uma resposta concreta e ficava sempre triste e distante, e por essa razão, ela deixou de perguntar.

 - Finalmente! – Pensou Elisa, quando viu o advogado. – Encontramo-nos aqui presentes para a leitura do testamento da Eduarda Neves.
No final dessa tarde, Elisa sentiu que tinha envelhecido 10 anos. Tanta coisa desconhecida, tantos segredos, tantas mentiras. – Porquê mamã, porque nunca me disseste que eu tinha mais família? Porque nunca me contaste o que aconteceu contigo, o que foi que eles te fizeram, porquê mamã?! – Segredou Elisa à sua almofada, enquanto lutava com a insónia e inquietação que se tinha apoderado dela desde a leitura daquele maldito testamento. Quando o advogado terminou a leitura, Elisa descobriu que Eduarda Neves era sua tia-avó e que lhe tinha deixado uma casa junto ao mar, numa aldeia perdida no litoral. Descobriu ainda, que nessa casa poderiam estar as respostas para as perguntas que tinha feito durante toda a sua vida. Quem era a sua avó materna? Porque nunca sentira amor entre os seus pais, porque nunca falava a mãe da tristeza que a acompanhava? – E agora? O que faço? Largo tudo e vou tentar saber quem sou ou vou deixar-me consumir pela incerteza? – Elisa estava num impasse, que resolveu assim que a luz clara e quente do Sol irrompeu pela sua janela.
Quando entrou no carro Elisa estava decidida. Ia conhecer a casa estranha que era sua e iria descobrir quem era Eduarda.
A paisagem foi mudando à medida que os quilómetros foram passando. A superfície vítrea e o cinzento do betão foram dando lugar ao verde das paisagens e ao cheio fresco e leve do mar. A aldeia dava as boas vindas aos visitantes de maneira humilde, com um sinal no início da rua. As ruas estavam desertas e Elisa parou junto à única pensão que havia. A casa ainda era demasiado, não conseguiria dormir lá, mesmo sabendo que é sua.
- Bom dia! Eu gostaria de alugar um quarto, por favor. – Elisa pousou a sua mala pequena na cama de ferro. Sentou-se e chorou. Chorou a tarde toda, chorou por uma tia que não conheceu, chorou por todas as coisas que lhe foram negadas, chorou pela dor da sua mãe que sempre sentiu como sua. No final da tarde sentia-se mais leve e pronta para enfrentar todos os fantasmas da sua vida.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Morreste-me

As palavras entram em nós e sentimo-las pelo que somos, por tudo o que vivemos e por tudo o que podemos imaginar. As vozes que saiem do papel invadem-nos com calor, dor, sofrimento e prazer. As dores e as paixões são partilhadas pela ponta de uma caneta, numa folha de papel. E quando existe uma transplantação de arte e as letras se transformam em movimento e calor, quando os sons passam do papel para o ar e a nuvem do possível se torna palpável. A imensidão do que nos invade é pesada e dolorosamente doce. Sentimos a pressão esmagadora de uma dor que não é nossa, mas poderia ser, um desespero que não imaginamos mas conseguimos sentir.
Doeu. Emocionou. Tocou. Fez sentir.
O que passaste para o papel, depois que o sentiste a pesar na tua alma. Tu, que nasceste com o dom de fazer sentir, sentes tanto, que para nossa benção, e espero para alívio do teu sofrimento ou paixão, consegues fazer caber em palavras. As palavras limitadas são transcendentes e intemporais no final da tua caneta. Não deixes de partilhar o teu dom e a tua alma connosco.
Obrigada!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Capítulo 2


Quando os raios de sol rompem o horizonte pela primeira vez em cada manhã, é a hora que o homem de olhos cinzento e cabelo da cor do sol está a caminhar em direcção ao mar. É verdade todas as manhãs desde há 3 anos. Os aldeões sabem que se chama Daniel. E é só. Sabem, também, que os seus olhos brilhantes e as rugas perfeitas do seu rosto, em junção com as poucas palavras, que por algum engano ou descuido, partilharam são sinónimo de um passado que não consegue largar o presente.
Todos os dias Daniel, o pescador, sai no seu barco para o mar. É a única altura do dia em que percebem algum tipo de sentimento na sua expressão, ao ver o mar banhado pelo primeiro raio de sol. É quase tão misterioso quanto belo. O cabelo cor do sol e a face perfeita poderiam ter sido desenhados com o pincel de um pintor renascentista. Ninguém sabe nada do seu passado, mas todos vêem que Daniel o carrega consigo, onde quer que vá.
-“Sr. Daniel, muitos bons dias! Já sabe da notícia?” – Perguntou a D.Gertrudes quando Daniel entrou na mercearia para comprar fruta.
-“Que notícia será essa?” – Respondeu Daniel, sem estar verdadeiramente interessado na resposta. Apesar de não se importar muito com as tertúlias de aldeia pequena, não pode deixar de reparar que estavam todos muito inquietos nesse dia. Desde manhã, que ao sair do mar reparou na ambulância que subia o pinhal, saindo do casarão da D. Eduarda.
A D. Eduarda era uma senhora idosa que sempre vivera sozinha, pelo menos desde que Daniel se mudou para a aldeia. Nunca conseguiu saber nada sobre ela, e a única vez que ouviu alguém falar sobre o assunto, foi na taberna do Tio Chico, e todos ficaram em silêncio quando ele entrou. Se é que fosse possível, a D. Eduarda era um assunto ainda mais misterioso que ele próprio, o que não pôde deixar de o fazer sorrir.
- “A D. Eduarda, pobre senhora, faleceu a noite passada. Está tudo preocupado com quem irá herdar a casa e as terras. Que se saiba não tem parentes vivos e há mais de 20 anos que não tem visitas. Era boa pessoa, mas solitária. Aposto que todos os parentes se vão desunhar para ficar com as terras e a casa. É sempre assim com a família, só se lembram de santa Bárbara quando faz trovões! Que é como quem diz, só se vão lembrar da pobre alma quando for hora para lhe ficarem com tudo!” – Era sempre assim com a D. Gertrudes, ela começava e acabava as conversas sem necessitar de qualquer tipo de ajuda. Daniel acenou com a cabeça e murmurou um “Que descanse em paz” quase imperceptível.
Apesar da bisbilhotice que parecia ser inata a todos os habitantes daquele pequeno paraíso de desaguava no mar, Daniel amava aquela aldeia. Ao contrário das suas próprias expectativas, sentia que estava em casa quando entrava no mar e quando descansava ao sol sentado na areia quente. Naquela areia quente. Daniel não gostava de pensar em areia, fazia lembrá-lo do deserto e de todas as coisas que perdera quando deambulou, perdido, no seu deserto. Daniel abanou a cabeça para afastar o pensamento, não queria, aliás, não podia pensar nisso.
Subiu a rua e continuou quando a estrada terminou, a sua casa era bem embrenhada no pinhal, longe de tudo. A casa perfeita. O refúgio perfeito.
Daniel não sabia o que era uma noite de sono. Não dormia. Fechava os olhos, o seu inconsciente assumia o controlo, mas não dormia. Não descansava. O deserto tomava sempre conta da sua mente, o som dos tiros, e o vermelho do sangue.
Daniel não conhecia a paz.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Capítulo 1


-Raio de tempo! – Pensou Elisa quando saiu de casa e olhou para as nuvens. O céu reflectia o seu humor, negro e húmido. Elisa acordou nesse dia a sentir-se velha e cansada. Apesar de ter apenas 32 anos, certas manhãs parecia que carregava o mundo nas costas.
Tinha sonhado com a mãe nessa noite, ainda não conseguia conceber um mundo onde a mãe não existisse. Era uma dor sempre presente. Apesar disso foi um sonho bom, Elisa tinha sonhado com o piquenique que tinham feito nas margens de um lago, quando tinha 12 anos. Foi um dia perfeito. Mas o sonho, apesar de feliz, deixara marcas em Elisa, tumultos presentes a cada vez que sonhava com a mãe.
A praça principal da cidade estava cheia de vida, como acontecia todas as manhãs. Homens de várias origens tornados irmãos pelos fatos de corte semelhante. O incessante burburinho ensurdecedor provocado pelos madrugadores que trabalham no centro da capital. Elisa sentia-se em casa. Aquele era o seu mundo, era a capitã do navio que era a sua vida.
Ao entrar no átrio em mármore frio do prédio onde trabalha, Elisa vê ao longe um homem alto e elegante, que apesar de não ser o mais bonito do escritório, é com toda a certeza o mais conhecido.
-“Bom dia Elisa, já viste esta chuva? Nunca mais chega o Verão!” – Gonçalo era simpático, talvez demasiado simpático. Fazia-a rir de todas as vezes que conversavam e o facto de namoriscar com todas as mulheres do escritório, incluindo ela própria, era só mais um traço enternecedor da sua personalidade. E ao contrário do que seria esperado era algo que o tornava ainda mais charmoso e interessante, do que era na realidade.
-“É hoje que aceitas tomar aquele cafezinho comigo? Va lá, aposto que te ias divertir!”
-“Gonçalo, diz-me a sério, quando é que te vais cansar de ouvir não?” – Perguntou Elisa a sorrir.
-“ Um não teu? Nunca!” – Gonçalo sorriu, aquele sorriso matreiro que tanto agradava Elisa e que por vezes lhe dava vontade de responder sim aos inúmeros convites que ele lhe fazia todos os dias. Mas ela sabia quem ele era, e Elisa era apenas mais uma. Independentemente disso, Gonçalo deixava-a sempre bem-disposta e naquele dia, em especial, agradeceu-lhe por isso.
-“ Mais uma vez obrigada. E, como gosto de ser coerente, fica para uma próxima vez!”
Gonçalo piscou-lhe o olho e afastou-se, com um sorriso matreiro e um olhar lânguido. Era confortante saber que havia coisas que nunca mudavam, Elisa sorriu e dirigiu-se à sua sala.
Ao entrar Elisa reconheceu a vista da janela e o monte de papéis que tinha deixado em cima da mesa na noite anterior.
-É incrível como o trabalho se acumula – suspirou Elisa enquanto olhava para a sua secretária. Só quando se sentou é que reparou que tinha correio em cima da mesa.
Já tinha mudado de casa há quase 6 meses e mesmo assim ainda lhe reenviavam para o emprego o correio extraviado que ia parar à morada antiga.
- “Estranho, uma notificação do tribunal.” – Pensou Elisa enquanto abria a carta com a sua faca de envelopes, prenda do pai no Natal anterior.

Elisa não poderia adivinhar como a abertura daquela carta iria mudar a sua vida. Talvez fosse uma mudança aquilo que Elisa precisava, mas o que aconteceu, ninguém, muito menos Elisa poderia adivinhar.

Partilha

Queridos amigos que partilham os meus devaneios neste blog. Tenho a ambição, meio secreta, de escrever. Já devem ter percebido...
Comecei a escrever um livro sem título e que provavelmente não chegará a lado algum. Mas gostava de o partilhar aqui, tornado-o assim mais real. Mais possível.
Vai levar tempo, para mim escrever é uma inspiração e por essa razão não aparece sempre que quero, mas sempre que essa vontade, claramente superior a mim, impera.
Quero ouvir o que pensam, quero que me digam se gostam ou não. Provavelmente não irá mudar em nada a linha da história, mas ajuda-me a crescer e talvez, com muita esperança e vontade, a escrever melhor.
Mais uma vez, perdoem-me desde já o imenso tempo que demorarei a partilhar esta história convosco. E acreditem que a partilho porque confio e porque parte do prazer de escrever é saber que alguém lê.

O livro não tem título, veremos se terá fim.

sábado, 12 de janeiro de 2013

o café

Quando saí, ao ouvir a porta bater atrás de mim, o mundo desapareceu. O que aconteceu? - perguntei a mim própria enquanto respirava fundo e tentava afastar a dormência doce que se apoderou de mim após a invasão daquele olhar azul.
- Respira Alice, respira e vai trabalhar! - disse num sussuro enquanto atravessava a rua.

O resto do dia foi pálido, em relação aos acontecimentos daquela manhã de inverno.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

o café

Entrei e fui directo à minha mesa de sempre, que espera por mim. Ao contrário de todas as outras vezes, não houve repetição. A mesa já não era minha. Estava ocupada.
A minha disposição mudou logo, aquela é a minha mesa, este é o meu café. Quem pensa que é aquele estranho de olhos cor do mar e cabelos cor de terra. Sentei-me perto da janela, contrariada. Daqui vejo a rua e o balcão, vejo toda a sala. É uma mesa bem melhor, falando em verdade. Mas que importa isso? Quero a minha mesa, para beber o meu café.

O meu café chegou, coloquei meio pacote de açucar, como sempre, na minha mesa de nunca. Mexi, soprei e olhando o infinito levei a chávena à boca. Ao sentir o líquido quente nos lábios, percebi que o infinito para onde olhava tinha cor. Azul. E olhava-me de volta.

Sobressaltada, baixei a chávena, e os olhos, em resposta ao sorriso aberto que esboçaste na minha direção.

Borboletas.